Kalanchoe pinnata (Lam.) Pers.
Família: CRASSULACEAE
Nome científico: Kalanchoe pinnata (Lam.) Pers.
Nome popular: folha-da-fortuna, saião
Foto: Sandra Zorat Cordeiro
Fotos: Denise Espellet Klein
Fotos: Ricardo Cardoso Antonio
Para o PDF da etiqueta, clique aqui.
Foto: Matheus Gimenez Guasti
Originária da África e com distribuição tropical na Ásia e América, a Kalanchoe pinnata é uma planta ornamental e medicinal com inúmeras e comprovadas propriedades terapêuticas. Sua forma de reprodução vegetativa peculiar, a partir de propágulos que se desenvolvem em gemas adventícias foliares, inspirou Goethe, o ilustre escritor e naturalista alemão, a fundamentar o conceito filosófico de "planta primordial".
Kalanchoe pinnata, também conhecida como folha-da-fortuna, é uma espécie suculenta nativa de Madagáscar. Esta planta herbácea alcança entre 1,0 e 1,5 m de altura e tem caule ereto e cilíndrico. As folhas são suculentas e possuem filotaxia oposta-cruzada. As folhas inferiores costumam ser simples, sendo que as superiores são compostas. O limbo dos folíolos é de elíptico a oblongo com ápice obtuso e margem crenada. O limbo é dividido em três a cinco folíolos que partem diretamente da raque (ou nervura principal). As inflorescências são panículas terminais, de aparência vistosa, com inúmeras flores coloridas. As flores são tetrâmeras, tubulares e pendentes, com a abertura do cálice e corola voltados para baixo, por causa desta característica, a Kalanchoe pinnata também é chamada de saião, já que suas flores com pétalas avermelhadas que pendem para baixo se assemelham a saias. O cálice é verde, às vezes avermelhado na base se a flor fica exposta ao sol. A corola é avermelhada no ápice e verde na base. As flores ainda possuem nectários na base do gineceu e o néctar secretado fica alojado na base da flor, na parede interior das pétalas. Seus frutos são raramente observados.
O nome do gênero Kalanchoe tem origem curiosa: é proveniente da representação fonética do nome chinês “Kalan Chauhuy” (卡兰乔休) que significa “aquela que cai e cresce”. Essa é uma referência aos propágulos1 que se formam nas reentrâncias das bordas crenadas das folhas do saião, a partir de gemas adventícias, que então se desprendem, dando origem a um novo indivíduo. O epíteto específico pinnata tem origem no latim pinnatus, que significa “com penas” e se refere às suas folhas compostas pinadas.
Por ser uma planta suculenta de fácil propagação e cultivo, é muito explorada para uso ornamental, sendo esse um dos pontos determinantes para a sua introdução em diversos países, principalmente aqueles das regiões tropical e subtropical, por possuírem clima quente e úmido. Estas condições climáticas favoráveis e seu modo de propagação vegetativa contribuíram para que ela tenha se tornado invasora em países como China, EUA (Havaí), Austrália e Polinésia Francesa. Sua rápida reprodução assexuada forma densos maciços, reduzindo a biodiversidade local e impedindo a regeneração dos ambientes que sofreram a perturbação.
Outro ponto determinante na introdução do saião em outros países foi seu eficaz uso medicinal, identificado e disseminado pelos primeiros navegadores que aportaram em Madagáscar no séc. I, provenientes da Oceania e Sudeste Asiático. Seu uso na medicina tradicional é amplamente documentado e seus extratos foliares têm aplicação anti-inflamatória, antifúngica e antibacteriana. Além disso, podem ser ingeridos para aliviar problemas gástricos e aplicados em ferimentos para uma cicatrização mais eficaz. Há estudos explorando atividade antitumoral, anti-leishmaniótica, antialérgica, antidiabética, entre outras. O potencial medicinal da Kalanchoe pinnata lhe conferiu um espaço na Relação Nacional de Plantas Medicinais de Interesse ao Sistema Único de Saúde (RENISUS).
Kalanchoe pinnata é uma planta anual e, na população presente no Morro da Babilônia, no Rio de Janeiro, floresce geralmente no período entre o final de julho e o início de outubro. Suas belas e numerosas flores são procuradas por abelhas Trigona spinipes2, que visitam a base da flor e rompem os tecidos para coletar néctar, além de coletarem pólen nas anteras e consumir outras porções florais. Além desta espécie, pássaros da espécie Coereba flaveola3, conhecidos como cambacica, também podem ser avistados aproveitando as aberturas deixadas pelas abelhas e pilhando néctar. A não formação de frutos evidencia que a manutenção da população depende dos propágulos vegetativos que caem das bordas das folhas.
O saião ainda possui uma particularidade: é conhecida também como planta-Goethe, uma homenagem ao escritor e também naturalista alemão Johann Wolfgang von Goethe (1749-1832). Ao conhecer a obra de Linnaeus, em 1776, Goethe notou que as plantas eram classificadas apenas pelas suas características externas, sujeitas à mutabilidade provocada pelo ambiente e, definitivamente, não concordou com isso. Para ele, a classificação deveria estar baseada em um "princípio interno unificador" e não em algo externo e mutável. Essas ideias se tornaram palpáveis quando, em uma viagem à Itália, Goethe conheceu o saião (na época, classificado com Bryophyllum calycinum Salisb.) e ficou maravilhado com sua capacidade de produzir propágulos a partir das folhas: a reprodução não era restrita às sementes...
Como consequência, ele desenvolveu o conceito da Urpflanze4, "a planta primordial" - uma planta arquetípica. Resumidamente, a Urpflanze seria uma espécie de entidade espiritual, não presente no mundo físico, mas que se manifestaria em todas as outras plantas, unindo-as e conectando-as, como algo dinâmico e presente, muito além daquilo que pode ser visto. Esta força primária vital faria com que todo o organismo estivesse presente e ativo em cada uma de suas partes. Ao perceber que a reprodução não era função restrita às sementes, considerou que todas as plantas e seus órgãos seriam apenas variações da folha em seu "impulso primordial de transformação" e as forças exteriores apenas fariam com que a força vital se manifestasse de modo peculiar, originando um sem-número de espécies vegetais. Este pensamento científico-filosófico deu origem ao seu aclamado livro "A Metamorfose das plantas", publicado em 1790. Mais de um século depois, o conceito de Urpflanze inspirou o filósofo Rudolf Joseph Lorenz Steiner (1861-1925) na criação da Antroposofia5.
Quem hoje se encanta com a Kalanchoe pinnata, não imagina que ela inspirou o conceito da "planta primordial" de Goethe. Quem imaginaria que, em 1790, Goethe profetizava a existência de algo invisível aos olhos, presente não somente nos vegetais, mas em todos os seres vivos...
Foi apenas em 1953, a partir do trabalho de Rosalind Franklin, que a estrutura tridimensional da molécula de DNA - a dupla hélice - foi descoberta por Francis Crick, James Watson e Maurice Wilkins.
Autoria: Letícia Carvalho de Mattos Marinho e Sandra Zorat Cordeiro (2020)
NOTAS
1 - Desenvolvimento de propágulos nas folhas de Kalanchoe pinnata:
Foto: Letícia Carvalho de Mattos Marinho
2 - Abelhas da espécie Trigona spinipes em ação nas flores de Kalanchoe pinnata:
Fotos: Letícia Carvalho de Mattos Marinho
3 - Pássaros da espécie Coereba flaveola, a cambacica, se aproximando e pilhando as flores de Kalanchoe pinnata:
Fotos: Denise Espellet Klein
4 - Representação da planta original de 1837. Xilogravura de Pierre Jean François Turpin baseada nas ideias de Goethe:
5 - "A Antroposofia, do grego 'conhecimento do ser humano', introduzida no início do século XX pelo austríaco Rudolf Steiner, pode ser caracterizada como um método de conhecimento da natureza do ser humano e do universo, que amplia o conhecimento obtido pelo método científico convencional, bem como a sua aplicação em praticamente todas as áreas da vida humana." (Setzer, em http://www.sab.org.br/antrop/).
*** Nossos agradecimentos:
- à Dra. Denise Espellet Klein, da UNIRIO, pelas fotos de Kalanchoe pinnata no seu ambiente natural, o Morro da Babilônia, RJ.
Akulova-Barlow, Z. Kalanchoe. Cactus and Succulent Journal, v. 81, n. 6, p. 268-276, 2019.
Arantes, J.T. O Pensamento Científico de Goethe. Disponível em: http://www.sab.org.br/goethe/cient.htm. Acesso em: 22 Set. 2020.
CABI - Centre for Agriculture and Bioscience International. Invasive Species Compendium - Kalanchoe pinnata (cathedral bell). Disponível em: https://www.cabi.org/isc/datasheet/29328. Acesso em: 21 Set. 2020.
Chernetskyy, M. Problems in nomenclature and systematics in the subfamily Kalanchoideae (Crassulaceae) over the years. Acta Agrobotanica, v. 64, n. 4, p. 67-74, 2011.
Dijigov, P. Escola de Botânica - A Metamorfose das Plantas. Disponível em: https://www.escoladebotanica.com.br/post/a-metamorfose-das-plantas. Acesso em: 22 Set. 2020.
India Biodiversity Portal. Kalanchoe pinnata (Lam.) Pers. Disponível em: https://indiabiodiversity.org/species/show/264859. Acesso em: 22 Set. 2020.
Kew Science. Plants of the world online - Kalanchoe pinnata (Lam.) Pers. Disponível em: http://powo.science.kew.org/taxon/urn:lsid:ipni.org:names:274438-1. Acesso: 22 Set. 2020.
Konner, M. Human Nature and Culture:Biology and the Residue of Uniqueness. In: Sheehan, J.J.; Sosna, M. (eds.). The Boundaries of Humanity - Humans, Animals, Machines. Berkeley: University of California Press. 1991. pp. 103-124.
Nascimento, L.C.; Gardin, N.E.; Volkmann, P.R. Bryophyllum calycinum na terapêutica antroposófica. Arte Médica Ampliada, v. 34, n. 2, 2014.
Quattrocchi, U. CRC World Dictionary of Medicinal and Poisonous Plants: Common Names, Scientific Names, Eponyms, Synonyms, and Etymology. Reimpressão. Boca Raton: CRC Press. 2012.
Rajsekhar, P.B.; Bharani, R.S.A.; Ramachandran, M.; Angel, K.J.; Rajsekhar, S.P.V. The “wonder plant” Kalanchoe pinnata (Linn.) Pers.: A review. Journal of Applied Pharmaceutical Science, v. 6, n. 3, p. 151-158, 2016.
Setzer, V.W. Antroposofia. Disponível em: http://www.sab.org.br/antrop/. Acesso em: 22 Set. 2020.
Smith, G.F.; Figueiredo, E.; van Wyk, A.E. Kalanchoe (Crassulaceae) in Southern Africa: Classification, Biology, and Cultivation. Academic Press, an imprint of Elsevier, 2019.
Sobreira, F.C. Avaliação da atividade anti-úlcera de Kalanchoe pinnata (Lam.) Pers. (Crassulaceae). 2013. Dissertação. (Mestrado em Ciências Farmacêuticas) - Faculdade de Ciências Farmacêuticas, Universidade de São Paulo, São Paulo.
Wang, Z.Q.; Guillot, D.; Ren, M.X.; López‐Pujol, J. Kalanchoe (Crassulaceae) as invasive aliens in China - new records, and actual and potential distribution. Nordic Journal of Botany, v. 34, n. 3, p. 349–354, 2016.
Ward, D.B. Keys to the flora of Florida: 18, Kalanchoe (Crassulaceae). Phytologia, v. 90, n. 1, p. 41-46.