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Música Popular Brasileira: a pop-larização inelutável ou a vingança da Jovem Guarda?

A música popular brasileira é pródiga nas suas relações com culturas musicais exteriores. De modo geral pode-se dizer que a música brasileira popular é resultado de uma rica operação de hibridação cultural. Nossa conjuntura histórica, nossas especificidades sócio-culturais favoreceram tal processo. Tal operação continua, a meu ver, em plena atividade.

O Choro instrumental, como se sabe, base da moderna música urbana popular, advém das relações com a Modinha e com o Lundu, sendo-lhe crucial o aporte das danças europeias – notadamente a Polca – aqui chegadas na última metade do XIX. Mais para a segunda metade da década de 1910 a música norte- americana (ragtime, onestep, twostep, shimmy,fox-trot e o jazz) começa a ser cada vez mais presente no meio musical brasileiro; e com o desenvolvimento da radiofonia e avanços na indústria cultural, as músicas da América Central, México, e do próprio continente sul-americano (tangos, boleros, congas etc), passam a ocorrer em proporções consideráveis no espaço da nossa música “nativa”. Nossos compositores de assobio[1] foram exímios autores de foxes, tangos, boleros, valsas americanas e tais.

Guerra-Peixe, em artigo de 1947 para a revista Música Viva, afirmava que a fase que vai mais ou menos de 1870 até 1940, já tinha dado o máximo de si[2]. A estética "orquestral” com base no acompanhamento dos músicos de Choro esgotara-se. E assinalava a presença inequívoca da música popular yanque como molde a ser considerado. E entenda-se isto em termos notadamente referentes à orquestração, pois, instrumentação.[3]

O fato é que, se é verdade que o surgimento da Bossa Nova – e aqui podemos demarcar o LP Chega de Saudade como o fenômeno de saída para nova onda de transformações, ainda sob a égide da mesma operação de hibridação – pode ser considerado um ponto de inflexão na história da música popular urbana do Brasil , é no entanto a onda de transformações culturais e artísticas ocorridas a partir da primeira metade dos anos 1960 que vão representar, a meu ver, uma guinada radical e caracterizar um fenômeno que ora denomino pop-larização da música popular urbana brasileira. Inerentes à utilização desse termo (por mim inventado, creio) estão a chamada música pop norte-americana e fenômenos concomitantes como a contracultura, o tropicalismo, a introdução das novas tecnologias de áudio e instrumentação, o declínio consoante da estética radiofônica[4] e introdução de novas performances artísticas determinadas pela ênfase cada vez mais na imagem, no hapenning e outras coisas mais.[5]

De maneira grosseira alguém mais afobado poderia dizer: - ao fundo, o Rock’n Roll. Pode ser; e nesse sentido aproveito para parafrasear Eric Hobsbawm quando afirmara na sua História Social do Jazz que, sem o fox-trot [6], “o triunfo do jazz híbrido na música pop teria sido impossível” -  numa medida semelhante ao avanço de ritmos latino-americanos respaldados no tango por ocasião da Primeira Grande Guerra. Creio, pois, que sem o Rock’n Roll, a face moderna e “triunfante” da música popular brasileira teria sido outra.

Este trabalho insere-se evidentemente nas questões relacionadas às operações de mundialização da cultura e afins sem relegar a plano inferior a indústria cultural, as transformações operadas na indústria fonográfica, a questão tecnológica e demais considerações neste campo de produção cultural. Com respeito ao estudo da indústria fonográfica será de fundamental importância o mapeamento – para posterior entrevista semiestruturada e composição de biografias – dos principais produtores fonográficos, arranjadores, produtores executivos e tais e que pertenceram à chamada Jovem Guarda. Um número considerável desses artistas está ou esteve até bem recentemente à frente dos grandes negócios da indústria fonográfica. Para citar alguns: Robert Livi, Marcus Maynard, Márcio Antonucci, Michael Sullivan, Miguel Plopschi, Sérgio Sá, Renato Corrêa (dos Golden Boys), Max Pierre.[7]E tem muito mais.[8]Evidentemente a mudança da orientação instrumental na direção de uma estética, por assim dizer, rock’nroll, será acompanhada através da análise de discos LPs lançados no período pelos principais artistas brasileiros e que não estão no segmento “jovem guarda”, rock brasileiro e, a seguir a música caipira e brega em face do óbvio. Por exemplo, a produção da cantora Elis Regina, Giberto Gil, Caetano Veloso, Gal Costa,Chico Buarque, Milton nascimento. Entrevistas com artistas ligados à “clássica” MPB e com atividade abundante em estúdios de gravação, por exemplo, Roberto Menescal, Wagner Tiso, Antonio Adolfo, Lincoln Olivetti, Sérgio Saraceni.

É assim que se impõem a este projeto, em primeiro lugar, estudar as transformações ocorridas na música urbana popular brasileira no período entre 1960 e 1975, com ênfase na instrumentação e performance; mostrar que a partir da segunda metade dos anos 60 ela se orientou por uma tendência cada vez mais pop; e, em segundo lugar, mostrar como foi importante, nessa guinada para o pop, a atuação de produtores fonográficos que foram ligados diretamente à instauração da música de rock no Brasil nos anos 60 e que posteriormente estariam à frente das grandes gravadoras multinacionais instaladas no país. A esse fato, o jornalista e escritor Roberto M. Moura muito oportunamente batizou como a vingança da jovem guarda. Resumidamente, proponho-me discutir o pop na MPB como fenômeno de um longevo processo de hibridação cultural na música brasileira urbana.



[1] Para lembrar uma denominação nada simpática do compositor Luciano Gallet, do final da década de 1920.

[2] Ari Vasconcellos e demais contemporâneos denominaram essa fase de era de ouro da música popular brasileira.

[3] A longeva atuação dos conjuntos de Choros (ou melhor, conjuntos regionais) estendeu-se, por assim dizer, até a última metade dos anos 80. Até 1985 a TV Globo, por exemplo, possuía entre os músicos contratados um regional para acompanhamentos de choros e sambas na forma tradicional. As grandes mudanças operadas nesta década encerraram, por assim dizer (mas sem elimina-los, certamente), a trajetória desses grupos como base do acompanhamento da música popular, mesmo a da chamada “música de raiz”.

[4] É fato que João Gilberto tentara, sem sucesso, a carreira no rádio, ainda seguindo a estética do seu grande ídolo, Orlando Silva. Sua voz abaritonada está registrada na sua primeira gravação Amar é bom. O resultado dessa experiência foi determinante para que voltasse para a Bahia e reaparecesse com a concepção estética que, por fim, o consagrou.

[5] Sob esse aspecto deverão ser consideradas as relações das vanguardas com a indústria cultural nos termos propostos por Humberto Eco nos Apocalípticos e Integrados.

[6] Fórmula mais duradoura de dança de salão advinda na esteira da pequena indústria da safra 1910-1915 de novas danças rítmicas - como o turkey trot, bunny bug, o shimmy e que tais.

[7] Roberto M. Moura, dizia que um dia escreveria um livro chamado A Vingança da Jovem Guarda. Este trabalho pretende ser também uma homenagem ao meu amigo tão cedo desaparecido. A vingança seria porque muitos dos artistas considerados “classe A” da MPB, ficaram – de certa forma – subalternos às vontades dos produtores artísticos e fonográfico oriundos do antes execrável iê-iê-iê.

[8] Ainda ligadas a essa relação traremos à tona produções artísticas que pelo menos até a primeira metade dos anos 70 simulavam artistas e arranjos de rock americano, esses artistas e a maneira como trabalhavam foram fundamentais para inculcação da estética pop na música brasileira popular em muitos dos seus segmentos (o termo aqui é de natureza eminentemente técnica) não escapando nem mesmo a antes comportada música caipira ou sertaneja e a música brega seguiu logicamente o modelo iê-iê-iê. A título de exemplo de resultado qualitativamente oposto à pura imitação ou à música brega, poderíamos invocar o Clube de Esquina No. I e as produções do Som Imaginário, tendo à frente o tecladista Wagner Tiso. 

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