Ao sul do Equador
"Ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção". A frase, publicada no livro Pedagogia da Autonomia, de Paulo Freire, ilustra a trajetória da professora Claudia Miranda na área de educação popular e “descolonização do pensamento”. Docente da Escola de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Educação da UNIRIO, Claudia se dedica a investigar e difundir o pensamento educacional latino-americano, influenciado pela presença dos povos originários e da população afrodescendente.
Segundo a docente, o termo “descolonização do pensamento” se refere à disputa de sentidos para além do modelo eurocêntrico vigente. “A sociedade como um todo reflete esse padrão – por exemplo, com o ensino escolar de inglês, ou a exigência de que o aluno saiba ler em francês para ingressar em um curso de doutorado”, ressalta. “Estamos disputando novas epistemologias e, com um pesquisador como Paulo Freire, conseguimos dar visibilidade a essa questão”, completa, citando também o sociólogo colombiano Orlando Fals Borda como outra das principais referências da área.
Esta é a segunda reportagem da série Ao sul do Equador, cuja proposta é difundir as atividades promovidas pela UNIRIO no contexto dos movimentos sociais, em parceria com instituições do sul global. A cada texto, são abordados novos projetos desenvolvidos em cooperação internacional, seja com a América Latina, seja com o continente africano.
Claudia Miranda atua como professora e pesquisadora do Movimento de Libertação Negra e Indígena (Bilm), no Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais (CLACSO). Ainda no âmbito da CLACSO, leciona na especialização e no curso internacional de Estudos Afro-latino-americanos e Caribenhos.
“Para construir uma perspectiva de pertencimento, de orgulho da população indígena e negra, temos que mostrar que somos mais que o Brasil: somos todos da América Latina”, defende, apontando o desconhecimento de muitos brasileiros a respeito da existência da população afrodescendente em países como Colômbia, Cuba e Equador. “Nossa proposta é lançar luz sobre esse conjunto de influências latino-americanas, indígenas e africanas, a partir do trabalho de pensadoras e pensadores que se dedicam ao tema”.
A professora esteve em Bogotá, na Colômbia, no mês de junho, para participar da X Conferência Latino-americana e Caribenha de Ciências Sociais, promovida pela CLACSO. A atividade acontece a cada dois anos, com o objetivo de fomentar o debate entre especialistas e definir quem será o próximo diretor-geral do Conselho.
No evento, ela integrou três mesas de debates e apresentou a palestra “Redes Etnoeducativas e a luta antirracista na América Latina e Caribe: seguindo os fios de Ananse”. Na palestra, a docente representou o grupo de trabalho Afrodescendência e Propostas Contra-hegemônicas, vinculado ao Fórum Permanente Latino-americano para a Descolonização da Cooperação (Apácapá). Participou, ainda, do painel “Gênero e interseccionalidade nas políticas públicas para populações afrodescendentes”, apresentando o projeto Rede Carioca de Etnoeducadoras Negras.
Parceria para a vida
A relação com a Colômbia vem de longa data. Em 2004, ainda aluna de doutorado em Educação na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), Claudia participou de um evento no México, apresentando o trabalho do núcleo de investigação do qual fazia parte. Lá, conheceu um grupo de pesquisadoras colombianas e, após a apresentação, uma delas disse: “Temos que trabalhar juntas”. Tratava-se de Fanny Milena Quiñones Riascos, docente da Secretaria de Educação de Bogotá. Começaria ali uma parceria que já se prolonga por mais de duas décadas.
“A Fanny é minha coautora. Temos trabalhado todos esses anos juntas, viramos uma família”, revela Claudia. Ao longo do tempo, a dupla desenvolveu estudos sobre interculturalidade, práticas pedagógicas e movimentos sociais no Brasil e na Colômbia, a partir da perspectiva comparada entre os dois países. “A Colômbia tem um ativismo inacreditável. É um país especial, e muito semelhante ao Brasil no que diz respeito ao sistema de educação”, salienta a professora.
As pesquisas são desenvolvidas pelo grupo de estudos da UNIRIO "Formação de Professores, Pedagogias Decoloniais, Currículo e Interculturalidade: agendas emergentes na escola e na universidade (GFPPD/CNPq)", sob coordenação de Claudia. O grupo é atualmente formado por 14 pesquisadores, incluindo Fanny.
Desde 2015, a docente desenvolve também o fórum permanente Rede Carioca de Etnoeducadoras Negras – fruto de um projeto de extensão cujo intuito é dialogar diretamente com profissionais da educação básica. Há oficinas, cursos de formação e um encontro anual, nos quais as professoras podem trocar experiências e criar metodologias de ensino. “Muitas participantes já passaram pelo projeto e, em seguida, ingressaram em cursos de mestrado, ou até de doutorado: a Rede ajuda as educadoras a formar outras redes”, destaca.
Em março deste ano, Claudia recebeu o prêmio Mulheres na Ciência, da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj), em reconhecimento à sua produção acadêmica. Foram contempladas 24 mulheres cientistas, responsáveis por contribuições fundamentais para o avanço do conhecimento em suas respectivas áreas de atuação.
Para o próximo ano, a professora planeja sediar na UNIRIO o II Encontro Regional de Etnoeducação Afrocentrada. A primeira edição do evento ocorreu no Palácio Legislativo de Montevidéu, no Uruguai, em julho deste ano. O segundo encontro, previsto para o final de 2026, será organizado pelo Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros e Indígenas (Neabi), do qual Claudia é coordenadora científica. “Nesse evento, professoras e professores debatem sobre políticas públicas, discutem mudanças necessárias na Legislação e pressionam o governo de diferentes países para que se comprometa com alterações no currículo escolar, pensando nas populações afrodescendentes e indígenas”, ressalta.

- Congresso Iberoamericano de Educação Ambiental, em Santiago de Cali, Colômbia, 2024 (Foto: Divulgação)
(Gabriella Praça - UNIRIO/Comso)

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