UNIRIO abre conversas com o MST para expansão da parceria com o movimento social
A Reitoria da UNIRIO teve ontem (16) uma reunião histórica com lideranças do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), com a deputada estadual Marina do MST à frente, para planejar acordos de parceria. Pela gestão da Universidade estavam o reitor José da Costa Filho, a vice-reitora Bruna Nascimento, o pró-reitor de Extensão, Vicente Nepomuceno, a assessora da Vice-Reitoria, Ana Paula Sciammarella, e o coordenador de Comunicação Social, Guilherme Simões Reis.
Da Costa abriu a reunião elogiando a clareza que têm os militantes do MST e o quanto ele tinha a aprender com o movimento, e então lhes apresentou o panorama da Universidade e de suas parcerias com parlamentares. “Gostaria que o seu mandato, que traz consigo todas essas pessoas do movimento social, fosse um mandato parceiro da nossa Universidade”, complementou o reitor para Marina, destacando que vários professores já realizam trabalhos em colaboração com o MST, incluindo o próprio pró-reitor Vicente.
A palavra foi passada, então, para os dirigentes do MST que estavam presentes. A deputada Marina do MST apresentou a pauta das discussões que o movimento queria apresentar à Universidade. Luana Carvalho detalhou as parcerias que existem, hoje, entre a UNIRIO e os sem-terra. Mencionou o projeto de solidariedade técnica, com Vicente Nepomuceno e alguns alunos da UNIRIO, além de professores da UFRJ, que acompanha há vários anos os assentamentos em questões relativas à gestão, inclusive do Armazém do Campo, que tem 30 lojas em 16 estados do Brasil.
Vicente Nepomuceno destacou que, nesse projeto, os estudantes da UNIRIO César Ribeiro Alves Augusto, Louise Fernandes Andrade e Thiago Medeiros foram, inclusive, premiados com menção honrosa na Semana de Integração Acadêmica (SIA 2023), ao apresentar seu “Estudo sobre os processos dos eventos culturais realizados pelo Armazém do Campo - Rio de Janeiro” na Mostra de Desenvolvimento Sustentável.
Luana mencionou a Jornada Universitária em Defesa da Reforma Agrária (Jura), uma construção nas universidades no âmbito da Jornada de Lutas pela Terra do MST no mês de abril, conhecida como “o Abril Vermelho”. “O MST estava fazendo suas ocupações de terra, seus debates no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), mas queria que as universidades também pudessem, em abril ou em um período próximo, promover debates sobre a reforma agrária, e também feiras, e que os estudantes pudessem ir aos assentamentos para conhecer aquela realidade. Aqui no Rio de Janeiro conseguimos articular todas as universidades públicas na Jura, com um lema único, e a UNIRIO faz parte há bastante tempo”, acrescentou Luana. As duas últimas Juras foram coordenadas pela professora Carla Albuquerque, do Instituto de Saúde Coletiva da UNIRIO.
Ela mencionou também o trabalho de muitos anos da professora Léa Tiriba em relação à infância, aos “sem-terrinhas”, contribuindo com os educadores infantis. No campo de acompanhamento dos processos produtivos, foram mencionados ainda vários outros professores, como Alessandra Pereira, Giane Moliari e Thais Salema, da Nutrição; Javier Lifschitz, da Memória Social e das Ciências Sociais; Celso Sánchez, da Educação; João Roberto Lopes Pinto, da Ciência Política; e Luiz Henrique Chad Pellon, da Enfermagem.
As propostas de parceria
Outro tópico da reunião foi o Restaurante Universitário. Os dirigentes do MST mencionaram que há várias experiências em universidades e escolas que adquirem alimentos da agricultura familiar e da reforma agrária, seja no modelo de restaurante gerido pela própria universidade, seja via fornecimento terceirizado. Pediram, então, o estabelecimento de um formato de contrato ou termo de referência que afirme a necessidade de, no mínimo, 30% de alimentos virem da agricultura familiar.
Daniel Mancio apontou a intenção de realizar com a UNIRIO um Termo de Execução Descentralizada (TED) do Ministério de Desenvolvimento Agrário para assessoria do conhecimento em gestão para a região Sudeste, para assessorar as cooperativas, associações, grupos informais e os espaços de comercialização. “Nós nos delegamos a tarefa histórica de produzir alimentos saudáveis para toda a sociedade. Nesse processo de organizar a produção percebemos que precisávamos dar saltos qualitativos importantes na organização da cadeia. Avançamos na produção, na agroindústria, na comercialização, mas temos um desafio: como vamos gerir nossas cooperativas, nossas agroindústrias, a logística, os processos industriais?”, enfatizou.
Da Costa manifestou que gostaria de visitar um assentamento, juntamente com a equipe de gestão, e que deseja que as ações propostas sejam desenvolvidas com a UNIRIO. No encerramento da reunião, que teve como tema mais debatido o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera) e a perspectiva de a UNIRIO criar cursos nesse formato, o coordenador de Comunicação da UNIRIO, Guilherme Simões Reis, sintetizou: “Estamos nesta Reitoria porque temos o sonho de transformar a Universidade. E não se pode sonhar no Brasil sem sonhar junto com o MST. Então, podem ter certeza de que queremos construir muita coisa junto com vocês”.
Pronera
Apresentado na reunião por Maria Cristina Vargas, o Pronera permite que assentados da reforma agrária, de várias organizações, e assistidos pelo Incra tenham acesso ao ensino superior em instituições federais. Maria Cristina observou que, há 20 anos, já havia um planejamento original de educação dos assentados pelo MST, projetado a partir da organização deles e de acordo com seu projeto de sociedade. Aquele programa de reforma agrária popular no MST tinha uma matriz tecnológica de produção diferente daquela que o capital oferecia, e pensava criticamente também na educação, na saúde, na cultura. O Pronera surgiu pela percepção de necessidade de aprofundar esse processo com as universidades, com a inserção no campo da ciência e a interação entre as várias áreas do conhecimento.
Segundo ela, o Pronera começou ainda pequeno, com pouco orçamento, no governo Fernando Henrique Cardoso, no âmbito do Incra e não do Ministério da Educação. Os primeiros cursos negociados com as universidades foram os de pedagogia, para formar educadores populares com nível superior. Depois, foram incorporando outras áreas, pois precisavam de técnicos nas cooperativas, de pessoas formadas em história, geografia, direito, veterinária etc.
“Esse programa tem como pré-requisitos estar com uma universidade, ter a participação, na inauguração e elaboração, de um movimento social que traga a sua realidade para construir o currículo, e ter a participação do Incra, sendo portanto uma experiência nova de política pública com muitas possibilidades. Mesmo com orçamento pequeno, o Pronera logo causou um impacto enorme no processo de condução dos projetos de reforma agrária popular, porque qualificou nosso entendimento do projeto. O assentado não precisa deixar de ser camponês para se formar no ensino superior. O campo é um lugar de cultura, de conhecimento, de vida e podemos ter todas as profissões de que necessitarmos para desenvolver esse território”, avaliou.
Em vez de buscar a construção de uma universidade do MST, como chegou a ser sugerido, o Pronera permitiu a entrada em mais de 50 universidades. O Pronera tem cursos totalmente presenciais e financia o deslocamento e a hospedagem. Fica-se parte do tempo na universidade, parte no acampamento, de modo alternado. A maioria dos líderes do movimento estudaram em algum curso do Pronera. Há licenciatura, bacharelado, especialização, mestrado e até doutorado, em várias áreas. Feita a apresentação do programa, Maria Cristina indicou as ideias de como a UNIRIO poderia ajudar no projeto.
“O Rio de Janeiro é um lugar de extrema importância para avançar nessa construção, e a UNIRIO, com tantas parcerias, oferece a possibilidade de cursos mais nacionais ou regionais. Gostaríamos de inaugurar um curso da UNIRIO em alguma das áreas que consideramos fundamentais. A produção é imprescindível no ponto de vista do desenvolvimento do assentamento e é um gargalo, uma necessidade muito concreta, por isso nossa ideia do curso de gestão de produção. Outra área em que pensamos para este processo inicial aqui na UNIRIO é a área da cultura, visto que aqui é muito rico na perspectiva das artes. Temos um coletivo de cultura dentro do movimento que atua em várias linguagens. Então, seria extraordinário se tivéssemos aqui no Rio de Janeiro uma turma nacional de promotores da cultura”, propôs Maria Cristina.