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Tucunaré provoca redução de espécies nativas ao ser introduzido em novo ambiente, aponta estudo do PPGBIO

por Comunicação publicado 13/05/2021 15h08, última modificação 14/05/2021 13h45
Pesquisadores avaliaram 62 ecossistemas de diversos países da América Latina

Ao ser introduzido em um novo ambiente, o tucunaré provoca a redução da quantidade de espécies nativas. Essa é a conclusão do artigo Ecological impacts of an invasive top predator fish across South America (“Impactos ecológicos de um peixe predador de topo de cadeia como invasor ao longo da América do Sul”), publicado recentemente no periódico internacional Science of the Total Environment.

O trabalho é de autoria da pesquisadora de pós-doutorado em Ciências Biológicas (Biodiversidade Neotropical) da UNIRIO, Ana Clara Sampaio Franco, em parceria com os professores Emili García-Berthou, Universidade de Girona (Espanha), e Luciano Neves dos Santos, do Instituto de Biociências da UNIRIO.

O termo “tucunaré” se refere a 15 variedades de peixes neotropicais nativos das bacias Amazônica, do Orinoco e do Tocantins-Araguaia. Embora cada variedade apresente características morfológicas distintas, não há barreiras reprodutivas entre eles. Para o estudo, os autores elegeram a espécie Cichla ocellaris, largamente introduzida em áreas tropicais ao redor do mundo.

A partir de trabalhos previamente publicados sobre o peixe em cinco países (Brasil, Guiana, Peru, Bolívia e Paraguai), os pesquisadores analisaram 62 ecossistemas, entre rios, lagos e represas. O tucunaré é espécie nativa de 30 áreas examinadas, e invasora em 32.

O estudo avaliou a proporção de tucunarés em relação ao total de indivíduos e espécies no sistema. Segundo Ana Clara, o peixe tem uma abundância relativa menor na região amazônica, por ser um predador em um local com mais de 100 espécies de peixes diferentes. “Uma espécie nativa sofre diversas restrições, como condições do ambiente, predadores, nichos ecológicos e disponibilidade de alimentos”, aponta a coautora.

Por outro lado, ao ser introduzido em um novo local, o tucunaré se beneficia do ambiente com menos predadores naturais. Caso as condições ideais estejam presentes – como, por exemplo, águas claras, já que o animal é um caçador diurno – o tucunaré se torna dominante e reduz a chamada “riqueza de espécies”. O impacto ocorre principalmente sobre as populações de peixes de pequeno porte, como lambaris.

De acordo com Ana Clara, o problema é ainda maior em reservatórios – que, por si só, já provocam impacto ambiental, ao transformarem rios, de água corrente, em lagos, levando à “extinção local” de espécies que habitavam a área. Segundo ela, os peixes migradores precisam de água corrente para nadar e desovar, mas, com a construção de barragens, , eles não conseguem se reproduzir. “Então, quando se coloca o tucunaré em um reservatório, o peixe é introduzido em um ambiente que já está caótico”, salienta.

Desequilíbrio

O estudo apontou, ainda, a tendência ao favorecimento de outras espécies invasoras nos ecossistemas em que animal foi inserido. “A predação diminuiu o número de indivíduos, levando à abertura de nichos ecológicos que serão ocupados por outras espécies”, destaca a pesquisadora. “Um peixe diurno, por exemplo, terá que alterar seus horários para ser menos predado – e, se houver outra espécie introduzida, ela irá se aproveitar dessa lacuna, aumentando a pressão ambiental sobre as espécies nativas”, completa.

Tilápias, pescada e pacu-prata são exemplos de espécies invasoras que foram beneficiadas pela presença do tucunaré nos ecossistemas analisados. Para Ana Clara, a introdução do peixe em novas áreas tende a provocar a “homogeneização biótica”, ou seja, com o tempo, todos os lugares terão as mesmas espécies, que serão as invasoras.

A introdução do tucunaré em novos ambientes vem de longa data. “Conheci a espécie com seis anos de idade, em uma represa chamada Reservatório de Lajes [estado do Rio de Janeiro], onde há um clube de pesca esportiva. Meu pai gostava de pescar, e me levou a esse lugar”, revela o professor Luciano Neves dos Santos, coautor do trabalho e coordenador do Programa de Pós-Graduação em Ciências Biológicas (Biodiversidade Neotropical - PPGBIO) da UNIRIO. Segundo ele, a represa foi uma das primeiras fora da Amazônia a receber o animal, ainda nos anos 1950.

O local integra o Complexo Hidrelétrico de Lajes, que inclui reservatórios, diques, barragens e estruturas hidráulicas associadas. Visando mitigar o impacto ambiental provocado pelos represamentos, a concessionária local de energia elétrica promoveu o chamado “peixamento”, prática que consiste na soltura de peixes em determinada área, para compensar a eliminação de espécies e organismos aquáticos provocada por ações humanas.  O problema foi levar para o local uma espécie proveniente de outra região. “Na época, essa era uma prática comum, pois não tínhamos conhecimento científico, nem o nível de conscientização que temos hoje”, observa o professor, lembrando que até mesmo instituições universitárias apoiaram esse tipo de iniciativa.

A partir do início do século XXI, quando já estavam claros os malefícios da introdução de espécies não nativas em sistemas ecológicos, a legislação passou a proibir a prática, que se tornou crime ambiental.

Parceria

O projeto de pesquisa que culminou com a publicação do artigo obteve múltiplos financiamentos, sob coordenação do professor Luciano Neves. O primeiro apoio veio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), por meio do programa Pesquisador Visitante Especial, que possibilitou a vinda do professor Emili García-Berthou, da Universidade de Girona (Espanha). Especialista em espécies de peixes invasoras, o docente passou três temporadas no Brasil, entre 2015 e 2017, atuando como professor visitante do PPGBIO.

No mesmo período, Neves recebeu apoio do Programa Jovem Cientista do Nosso Estado, da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj), e do Programa de Bolsas de Produtividade à Pesquisa (PQ), do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

Já Ana Clara atuou no âmbito do Programa de Pós-Doutorado Nota 10 da Faperj, por meio do qual se vinculou ao PPGBIO. O professor Luciano Neves foi seu supervisor na pesquisa.


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