Por vezes, ‘Cidade Maravilhosa’ só existe para quem é de fora, diz professor da Escola de Turismo
“No Rio de Janeiro, muitas políticas públicas são pensadas para turistas”. A constatação, feita pelo professor da Escola de Turismo Luiz Alexandre Mees, se refere às obras ligadas aos megaeventos esportivos sediados pela Cidade Maravilhosa na década passada.
Em projeto desenvolvido em parceria com a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e a Universidade de Antioquia, na Colômbia, o docente compara políticas públicas urbanas e práticas de turismo realizadas em favelas do Rio de Janeiro com as de bairros populares da cidade colombiana de Medellín. A pesquisa revela o contraste entre projetos urbanísticos brasileiros e colombianos, em relação aos objetivos e ao público-alvo.
Para ele, políticas públicas como a implantação das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) nas comunidades cariocas foram planejadas apenas para gerar uma sensação de segurança na cidade, especialmente na sua zona Sul, viabilizando a realização de eventos como a Jornada Mundial da Juventude, a Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos e Paralímpicos de 2016. “Tanto foi assim, que o Beltrame [antigo secretário estadual de Segurança do Rio de Janeiro e idealizador do projeto] pediu demissão no segundo semestre de 2016”, aponta, associando a entrega do cargo ao final do período de grandes eventos na cidade.
Cinco anos depois, em 2021, ao acompanhar um grupo de alunos e professores da Universidade de Antioquia em um trabalho de campo em favelas do Rio de Janeiro, Mees encontraria outra realidade. “Nas comunidades, víamos pessoas com rifles na mão e os espaços de circulação eram bem demarcados”, revela o professor, destacando que a equipe foi proibida de tirar fotografias no complexo de favelas Cantagalo-Pavão-Pavãozinho. “É a Cidade Maravilhosa para quem é de fora, para quem olha e diz, ‘ah, que bonito o Rio de Janeiro’, mas em que condições alguns de seus moradores estão vivendo?”, questiona o turismólogo.
Turismo
Outros projetos da época dos megaeventos, como o VLT Carioca e o Teleférico do Alemão, foram abandonados ou estão subutilizados. “O governo do Estado anunciou recentemente que pretende reativar o teleférico”, ressalta Mees. “Porém, quando visitamos o Complexo do Alemão, em dezembro de 2021, os moradores revelaram não querer apenas isso, mas também outras melhorias para a comunidade”, completa.
Inspirado nos metrocables, de Medellín, o teleférico foi mantido em operação por cinco anos, de 2011 a 2016. O professor ressalta que a obra sempre gerou polêmica, tendo beneficiado apenas uma minoria de habitantes do local, pois muitos não tinham como chegar às estações, devido à estrutura socioespacial do Complexo do Alemão. Já a primeira linha do VLT, inaugurada em 2016, foi construída ligando o aeroporto Santos Dumont à rodoviária Novo Rio, favorecendo majoritariamente turistas. “Quantos trabalhadores são realmente beneficiados pelo trajeto desta linha?”, indaga.
Em contraste, os metrocables e a chamada Tranvía – equivalente colombiano do VLT – se inserem na proposta de urbanismo social implementada em Medellín a partir dos anos 2000. Doutor em Antropologia, Mees ressalta a ideia de “dar o melhor aos mais necessitados” como lema dessa política, atendendo à população local em primeiro lugar. Um exemplo é a integração de todos os modais de transporte em uma só passagem: ônibus, metrô, bicicleta e teleférico. “Lá, a primeira linha de teleférico com meio de transporte já completou 18 anos e a Tranvía transformou, para melhor, a vida cotidiana e o espaço urbano de vários bairros por onde passa”, ressalta.
Obras como as linhas de teleférico e o Parque Biblioteca España, inaugurado no bairro Santo Domingo, transformaram a realidade e a mobilidade de moradores, propiciando, também, a produção de um espaço turístico. "Inovações sempre atraem fluxo de visitantes, fazendo nascer, muitas vezes, o fenômeno turístico de maneira espontânea”, destaca o professor. Ele lembra, ainda, que Medellín já ganhou prêmios de cidade mais inovadora da Colômbia e, recentemente, de Cidade Inteligente, tornando-se modelo internacional de urbanismo.
Mees tem se dedicado ao estudo sobre práticas de turismo em bairros populares de Medellín desde 2014, quando passou por um período de mobilidade acadêmica na Colômbia. Atualmente, integra uma equipe de pesquisa contemplada pela Chamada Universal do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), com o projeto de analisar e comparar políticas públicas urbanas e de turismo em favelas cariocas e bairros populares de Medellín.
No Rio de Janeiro, as comunidades escolhidas para análise foram Cantagalo, Pavão-Pavãozinho e a favela Santa Marta. Já em Medellín, o grupo investiga o fenômeno turístico em diferentes bairros das chamadas “comunas” – comunidades populares da cidade. Os resultados da pesquisa serão publicados em livro, com previsão de lançamento para o final do próximo ano.