Pandemia nos traz muitas lições, aponta professor português Boaventura de Sousa Santos
O professor da Universidade de Coimbra (Portugal) Boaventura de Sousa Santos ministrou a aula inaugural dos cursos de pós-graduação da UNIRIO na manhã desta terça-feira, dia 25. A atividade foi promovida pela Pró-Reitoria de Pós-Graduação, Pesquisa e Extensão (PROPGPI).
“Tenho grande alegria de estar aqui com vocês, voltando às nossas aulas, mesmo que remotas”, comemorou o reitor da UNIRIO, Ricardo Cardoso. Também presente no evento, a pró-reitora de Pós-Graduação, Pesquisa e Inovação, Evelyn Orrico, deu as boas-vindas ao convidado. “É uma honra imensa, neste ano absolutamente conturbado, ter um intelectual da sua envergadura abrindo nossos cursos de pós”, ressaltou. “Para nos, acadêmicos, mas, sobretudo, para nós, brasileiros, tem sido um alento ouvir as suas ponderações, sempre oportunas e críticas”.
A vice-coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Educação da UNIRIO. Maria Luiza Süssekind, também saudou o palestrante. Segundo ela, Boaventura é “um dos mais influentes e profícuos pensadores da contemporaneidade, tendo importante diálogo com a academia no Brasil, em diversos pontos.
Pedagogia do vírus
A aula teve início com o debate sobre os desafios da universidade no mundo de hoje. Para Boaventura, desde antes da pandemia, as universidades públicas já vinham sofrendo dois ataques. O primeiro deles, mais antigo, é o “capitalismo universitário”: a tentativa de reduzir o orçamento das instituições e transformar o ensino em mercadoria. Já o segundo ataque vem do conservadorismo reacionário. Segundo o palestrante, esse movimento tende a condicionar os próprios conteúdos universitários, policiar os professores e transformar os direitos humanos em uma atividade suspeita, colocando as pessoas sob vigilância.
Os dois problemas convergem para tornar mais difícil a vida da universidade no futuro – “até porque a pandemia traz um novo desafio e, provavelmente, uma nova ameaça: esse meio virtual”, acrescentou. “A educação universitária está cada vez menos presencial e mais digital, o que é um risco à própria universidade”.
Boaventura também abordou questões discutidas em sua última obra, A cruel pedagogia do vírus, lançada este ano pela Editora Almedina. Segundo ele, a pandemia nos dá muitas lições, a começar pelo desvelamento das desigualdades sociais. “Nos bairros periféricos e nas favelas do mundo, o que temos é água para beber e cozinhar, não para lavar as mãos tantas vezes por dia”, destacou.
Há, também, o aspecto ecológico da pandemia, que colaborou para a queda nos níveis de poluição ambiental. Para o professor, estamos impondo a vida humana à Terra. “O vírus nos diz: ‘se os humanos continuarem a destruir o planeta da forma como estão destruindo, não é [apenas] esta pandemia, são muitas outras que virão”, salientou. Diante da necessidade de isolamento social, foi necessário tomar medidas alternativas – como, por exemplo, a mudança nos padrões de consumo.
Além disso, houve uma mudança de mentalidade a respeito do papel do Estado. Segundo Boaventura, predominava a ideia de que economia mundial era regulada pelos mercados, e de que os Estados eram corruptos e incompetentes. “Na pandemia, a quem as pessoas recorreram? Recorreram ao Estado. Portanto, o Estado voltou”, salientou, acrescentando que os países se comportaram de formas muito distintas entre si diante da pandemia. Para ele, os Estados que priorizaram a proteção da economia em relação à vida foram justamente os que tiveram as piores taxas de mortalidade e as maiores crises econômicas.