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Turismo e Relações Étnico-Raciais

Um guia para viajantes negros. Entre 1936 à 1967 circulava pelos Estados Unidos um guia para viajantes negros chamado The Negro Motorist Green Book (O livro verde do motorista negro), o livro trazia as poucas opções de hotéis, restaurantes e bares que eram permitidos frequentar por afroamericanos na época em que estavam em vigor as “leis Jim Crow”, que impuseram a segregação racial no sul dos EUA. Para a criação do guia, Victor Hugo Green, carteiro em Nova York, reunia informações de todo o país com os colegas de trabalho, a finalidade do livro era tentar dar o mínimo de segurança, para que viajantes negros não se encontrassem em situações de dificuldade por conta de atos racistas e hostilidades abertas contra pessoas negras que viajavam. O guia era publicado anualmente, e sua última edição foi somente três anos depois da aprovação dos Direitos Civis (1965). Em 1948, Green incluiu algumas declarações otimistas no guia, em que diziam: "Haverá um dia, no futuro próximo, em que este guia não terá mais que ser publicado. Em que nós, como raça, teremos igualdade de oportunidades e privilégios nos EUA." (BBC, 2019)

Contudo, nos dias de hoje vivemos em um cenário em que pessoas negras viajantes ainda precisam recorrer à serviços especializados, pelo risco de atos racistas cometidos em países estrangeiros. Atualmente, ao mesmo tempo que a comunidade negra vem se empoderando e conta com o auxílio das novas tecnologias e com a luta pelas causas sociais, viajantes ainda sofrem com o racismo enraizado em diversos países e o desinteresse tanto de pesquisadores na área do turismo quanto do governo e do mercado de negócios em problemas atuais que turistas negros passam em outros países.

O Turismo de diáspora. Conceito elaborado em 2004 por Tim Coles e Dallen Timothy, dois geógrafos que, com o intuito de dialogar entre dois campos desconectados, do turismo e do estudo das diáporas analisaram a produção, o consumo e as práticas do turismo por e para as comunidades diaspóricas. Os pesquisadores publicaram um livro chamado Tourism, Diasporas and Space, em que definiram o conceito de turismo de diáspora como “um tipo de turismo prioritariamente produzido, consumido e vivenciado por comunidades diaspóricas”(COLES; TIMOTHY, 2004 apud PINHO, 2018). 

Em 2006, o antropólogo Paul Basu elabora o conceito de turismo de raízes para explicaras viagens que os descendentes de escoceses fazem para a Escócia, em busca das suas raízes genealógicas. No Brasil, a socióloga Patricia Pinho (2018) utiliza do turismo de raízes para entender o caso dos afro-americanos na Bahia. Para Patrícia Pinho (2018), o conceito de turismo de raízes é produtivo para compreensão sobre o turismo dos afro-americanos na Bahia. A pesquisadora defende que "estes turistas concebem as suas identidades como tendo sido interrompidas pela perda de suas raízes culturais e familiares. Sentem que precisam, portanto, viajar em busca dessas raízes para que possam, de fato, “enraizar” as suas identidades tanto nas culturas locais quanto nas relações de parentesco sanguíneo ou simbólico que essas viagens possibilitam. (PINHO, 2018, p. 118)

O jornalista Guilherme Soares Dias é um dos pioneiros em trazer relatos sobre como o afroturismo vem transformando o olhar da população negra para o setor, segundo Dias (2020) o afroturismo “pretende levar as pessoas a vivenciarem mais a cultura negra por meio da história, gastronomia, religião, museus, vivências, negócios e visitas a comunidades e quilombos”. O jornalista também é sócio da plataforma Black Bird, o empreendimento “
tem como proposta compartilhar relatos de viajantes negros, histórias de lugares e cultura negra, além de inspirar novas narrativas e viagens, com dicas e promoção de alguns roteiros especiais de turismo afro-referenciado”, ele diz que
a expectativa é de que assim como houve o momento de empoderamento capilar, onde as pesquisas sobre cabelo crespo e cacheado chegaram à se sobrepor sobre cabelos lisos, as marcas se conscientizaram e como resultado hoje há um vasto conteúdo sobre o assunto, aconteça também com o AfroTurismo, e que o movimento cresça cada vez mais.

Santos (2018, p.50) entende que “o turismo étnico-afro vem da perspectiva de valorização da cultura e toda expressão negra contemplada pelo turismo”, dessa forma, a autora interpreta o afroturismo como uma forma mais abrangente do turismo étnico-afro e conclui que "o
movimento afroturístico pode ser assimilado além, considerando as experiências individuais e sociais dos viajantes afro-brasileiros, abarcando o movimento desses corpos em diálogo com turismo e as pautas em comum a partir da cor da sua pele e as reverberações sociais desse fato [...]"

Oliveira (2020) explica que a proposta do conceito é “subverter lógicas e ordens nas quais o turismo se moldou –eurocêntrico, que tem o homem branco europeu como o balizador do mundo”, a autora também classifica o Afroturismo como um termo derivado do turismo diaspórico e turismo de raízes, tendo seu principal diferencial a teoria da afrocentricidade, elaborada por Molefi Kete Asante, segundo Reis, Silva e Almeida (2020) "a teoria da afrocentricidade em contraponto ao eurocentrismo, privilegia o pensamento e todo sistema cultural africano como centralidade histórica e base dos processos de produção de conhecimentos e valorização da ancestralidade para as pessoas africanas do continente e da diáspora”.

A partir de levantamento bibliográfico e documental foram encontrados 23 artigos publicados em periódicos acadêmicos, 6 dissertações e teses, 5 livros ou capítulos de livros, e 69 matérias de jornais e / ou revistas e blogs. Neste material, destacamos os debates sobre turismo diaspórico, turismo de raízes, turismo étnico e turismo afrocentrado ou afroturismo, além de diálogos entre turismo, raça e questões de gênero, como exemplo, turismo sexual e racismo no mercado de trabalho do turismo. 

Turismo Diaspórico

Coles e Timothy (2004 apud PINHO, 2018) definiram o conceito de turismo diaspórico como “um tipo de turismo prioritariamente produzido, consumido e vivenciado por comunidades diaspóricas”, sendo assim, o turismo diaspórico tem por objetivo levantar a discussão do resgate da identidade do turista, tanto de parentesco quanto na cultura, de algo que foi interrompido pela perda das suas raízes. 

Turismo de Raízes

Segundo Patricia Pinho (2018), o turismo de raízes pode ser entendido como um subtipo de turismo diaspórico, ele acontece quando o indivíduo busca a reconstrução de sua identidade que foi interrompida, nesse sentido, ele viaja em busca de sua memória perdida em lugares em que possa se sentir representado. 

Turismo Étnico

O turismo étnico se apresenta como um oposto ao turismo de raízes. O conceito de turismo étnico se consolidou como uma ferramenta de análise do tipo de turismo que se define prioritariamente pela busca da diferença (Pinho, 2018). Enquanto comunidades diaspóricas viajam em busca pelos seus semelhantes, a experiência do turismo étnico se resume na diferença do outro, deste modo, numa viagem, quanto mais exótica for a cultura do outro, melhor.  

Turismo Afrocentrado (Afroturismo)

Dias (2020) relata que "o afroturismo pretende levar as pessoas vivenciarem mais a cultura negra por meio da história, gastronomia, religião, museus, vivências, negócios, visitas a comunidades e quilombos, música.  O autor também conta que "esse turismo mais calcado na experiência, na história e em vivenciar uma cultura pouco divulgada pelo turismo mais comercial é uma tendência no mundo todo e terá ainda mais espaço no mundo pós-pandemia, que vai buscar fugir de monumentos turísticos abarrotados."

Santos (2018, p.50)  interpreta o afroturismo como uma forma mais abrangente do turismo étnico-afro e conclui que "o
movimento afroturístico pode ser assimilado além, considerando as experiências individuais e sociais dos viajantes afro-brasileiros, abarcando o movimento desses corpos em diálogo com turismo e as pautas em comum a partir da cor da sua pele e as reverberações sociais desse fato. [...]"

Oliveira (2020) explica que a proposta do conceito é “subverter lógicas e ordens nas quais o turismo se moldou –eurocêntrico, que tem o homem branco europeu como o balizador do mundo”, a autora também classifica o Afroturismo como um termo derivado do turismo diaspórico e turismo de raízes, tendo seu principal diferencial a teoria da afrocentricidade."

 

Além das categorias encontradas, dois importantes debates / diálogos marcam a produção, a saber, "turismo, raça e gênero" e "racismo no mercado de trabalho"

Turismo, raça e gênero 

Os diálogos sobre raça e gênero exploram as interseções que acontecem no mundo do turismo, principalmente no turismo sexual. Piscitelli (1996) argumenta sobre como a raça é objeto de interesse no mercado do turismo sexual e está intimamente associada às concepções sobre a "feminilidade nativa” expressas pelos turistas.  Blanchette e Silva (2012) tratam dos estereótipos que são construídos pelos turistas sexuais estrangeiros sobre mulheres negras brasileiras, e de como esses estereótipos definem o entendimento do Brasil como um país “exótico, mestiço e sensual”. 

Racismo no Mercado de Trabalho do Turismo

O debate sobre racismo no mercado de trabalho aborda as relações étnico-raciais e a participação do negro no mercado de trabalho em turismo. Costa (2017) discute as perspectivas de empregabilidade para os alunos negros egressos dos cursos de Turismo oferecidos no Brasil, a partir da ampliação de turismólogos negros no mercado de trabalho, consequência da lei das cotas raciais. 

 

Confira aqui nossa base de dados sobre o tema.

Para lives e outros conteúdos sobre o tema clique aqui.

 

Fontes: 

PISCITELLI (1996)

"Sexo Tropical": comentários sobre gênero e raça em alguns textos da mídia brasileira

http://repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/119822/1/ppec_1859-2479-1-SM.pdf

 

BLANCHETTE; SILVA (2012)

"A Mistura Clássica": miscigenação e o apelo do Rio de Janeiro como destino para o turismo sexual

https://periodicos.ufrn.br/bagoas/article/view/2321/1754

 

PANROTAS (2015)

Movimento Negro cria iniciativa para indústrias de viagens. 

https://www.panrotas.com.br/noticia-turismo/destinos/2015/08/movimento-negro-cria-iniciativas-para-industria-de-viagens_117877.html

 

COSTA (2017) 

Relações étnico-raciais e questões do mercado de trabalho em turismo

https://revistas.face.ufmg.br/index.php/mtr/article/view/4300

 

PINHO (2018) 

Turismos diaspóricos: mapeando conceitos e questões

http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-20702018000200113

 

SANTOS (2019) 

https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/5830662/mod_resource/content/1/ENEGRECER%20o%20Turismo%20-%20Thaina%CC%81%20SANTOS.pdf

 

BBC BRASIL (2019)

O que era o Livro Verde para viagens de negro nos EUA, que inspirou vencedor de melhor filme. 

https://www.bbc.com/portuguese/geral-47361544

 

DIAS (2020) 

Afroturismo ou turismo étnico: o que é, onde ocorre e como praticá-lo?.

http://blackbirdviagem.com.br/turismo-etnico-ou-afroturismo-o-que-e-onde-ocorre-e-como-pratica-lo/

 

OLIVEIRA (2020)

Turismo afrocentrado: debates iniciais.

https://storage.googleapis.com/production-hostgator-brasil-v1-0-2/102/248102/ZJ2LQxgL/1513049469514998a959789abf41bec4?fileName=Novos%20olhares%20sobre%20Turismo,%20Patrim%C3%B4nio%20e%20Cultura.pdf.

 

REIS, SILVA E ALMEIDA (2020)

Afrocentricidade e pensamento decolonial: perspectivas epistemológicas para pesquisas sobre relações étnico-raciais. 

https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/revistateias/article/download/49419/34981+&cd=1&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br