Sociedades não igualitárias que exploram os recursos naturais provocam a própria extinção, alerta Paulo Nobre
Qual é o nosso bem comum? A pergunta foi o mote do debate promovido nesta sexta-feira, dia 11, em comemoração aos 42 anos da UNIRIO e ao Dia Mundial do Meio Ambiente, celebrados no último sábado, 5 de junho. O webinário contou com a participação do médico sanitarista Emerson Merhy, do Instituto de Psicologia da UFRJ, e do meteorologista Paulo Nobre, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
“Encontros como esse produzem em nós provocações, que agregam conhecimento quando analisam a ciência e as adversidades”, destacou o reitor, Ricardo Cardoso. Para ele, poder celebrar mais um ano de UNIRIO e o Dia do Meio Ambiente, junto com a comunidade, é um “ato de resistência”.
O pró-reitor de Graduação, Alcides Guarino, destacou a relevância da temática, e salientou que a pauta ambiental tem sido relegada no Brasil. “Esse é um tema muito caro pra nós, na Universidade, até porque temos um curso de graduação em Ciências Ambientais, no Instituto de Biociências”, apontou.
No papel de mediador do debate, o professor Rossano Pecoraro, docente da Faculdade de Filosofia e do Doutorado em Enfermagem e Biociências (PPGENBIO) da UNIRIO, questionou os conceitos de “ser humano” e “sociedade” a partir da ideia de logos. “[O homem] é um animal, mas o único dotado de linguagem, palavra e racionalidade, o famoso logos”, disse, observando que logos também configura a racionalidade técnico-científica.
“Somos animais racionais e técnicos, porque precisamos dessa racionalidade para sobrevivermos e intervirmos na natureza, da qual extraímos os bens necessários para nossa sobrevivência, para o progresso econômico e social da nossa espécie”, salientou. Segundo ele, isso cria o cenário problemático da contemporaneidade, que “envolve a noção de progresso e envolve, evidentemente, qual é o nosso bem comum”.
Valor da vida
Força de trabalho, neoliberalismo, necropolítica e o valor da vida foram assuntos abordados pelo médico Emerson Merhy. “Se existe uma questão que está em cena, é qual é valor da vida – e mais, o que é a própria vida”, destacou, fazendo uma revisão histórica do desenvolvimento do modo de produção capitalista, até chegar ao século XXI. De acordo com ele, hoje, o corpo do trabalhador não se constitui mais como força de trabalho, mas como “unidade de produção e como vida-capital”.
Nesse contexto, o capitalismo teria criado mecanismos valorativos que a pandemia trouxe à tona “de uma maneira brutal”, revelando que as vidas que não se constituírem em “corpos-produções” não valem a pena ser vividas. Segundo ele, “políticas da morte” emergiram nessa conjuntura. “Podemos pensar o tema da necropolítica como uma biopolítica contemporânea do capitalismo mais perverso que vivemos hoje, que é o capitalismo neoliberal”, disse.
Outro tema discutido pelo palestrante foi o descaso do homem com a natureza. Para ele, a pandemia “nos mostrou o desprezo que temos com a Terra enquanto ‘Gaia’”, pois vemos a natureza apenas como meio de produção de capital. “Nós desprezamos as montanhas enquanto bem desta Terra, porque a montanha é vista como reserva de ferro, lugar a ser explorado; nós desprezamos os rios como bem desta Terra, fruição da vida, porque o rio é olhado, sob a ordem capitalista, como um lugar que esconde recursos que temos que tirar para enriquecer, desprezamos as matas e as florestas, os animais e as plantas, e boa parte dos humanos”, salientou, completando: “Ou a gente defende Gaia, ou não há qualquer forma de defesa”.
Desequilíbrio
O meteorologista Paulo Nobre falou sobre os impactos ambientais provocados pelo homem, e o papel humano na evolução. “Nossa participação no equilíbrio de Gaia tem gerado ruptura nos processos naturais, e o planeta responde ao desequilíbrio introduzido pelas nossas atividades”, disse, lembrando a multiplicação na quantidade de desastres naturais e eventos climáticos extremos, em relação ao passado. Para ele, nesse contexto, o capital não tem valor. “A única coisa que tem valor em um ambiente assim, entre seres humanos, é a ajuda de um ao outro”, apontou.
De acordo com o cientista, o impacto climático culmina na indisponibilidade de alimentos e água e no aumento da pobreza. “Os últimos mamutes da Terra morreram de sede”, revelou. “Era um indicador de que a capacidade de suporte do meio ambiente para a vida era fundamental: independentemente de quem era o chefe, quem tinha mais ou menos, na medida em que o recurso natural da vida cessou, cessaram os elefantes”. Em seguida, ele lembrou que em 2014 e 2015, o Nordeste Brasileiro sofreu sua maior seca já registrada, e alertou: “o que aconteceu com os elefantes pode acontecer conosco”.
Ao citar civilizações antigas que desapareceram, Nobre sugeriu que sociedades não igualitárias que exploram os recursos naturais provocam a própria extinção. Esse processo se daria, primeiro, pelo esgotamento dos recursos naturais e, além disso, pela depreciação do capital, após um pico de valorização. Segundo ele, os primeiros a sofrer seriam as classes desfavorecidas, mas, na ausência daqueles que produziam o capital, também a elite desaparecia.
Para evitar esse trágico fim, a solução seria criar um futuro sustentável, desenvolvendo uma nova relação com o planeta e convivendo em harmonia com os povos das florestas e com o ambiente que nos cerca. Para o cientista, o poder de transformação está nas nossas escolhas. “Precisamos introduzir o amor, próprio e por tudo que há, para que possamos contar, um dia, essa história: ‘nós vivíamos em um mundo assim, e nós fizemos a opção’”, ressaltou.