Especialistas da UNIRIO, Inca e Fiocruz alertam que a desinformação ameaça a saúde
Fake news, ciência e saúde. Esse foi o tema da palestra virtual, realizada no último dia 29 de junho, que reuniu especialistas da UNIRIO, do Instituto Nacional do Câncer (Inca) e do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict/Fiocruz).
Gabriela Villaça, nutricionista e tecnologista plena do Inca, docente permanente do Programa de Pós-Graduação em Oncologia do instituto, falou sobre o impacto das informações falsas no tratamento de pacientes com câncer.
“Em 2019 comecei a observar que pacientes vinham perdendo 20kg, com uma perda muscular extremamente grave, com o discurso de que tinham simplesmente parado de consumir carboidratos e açúcar, e todos os seus derivados, porque o açúcar alimentava o câncer. A questão é que fazer dietas restritivas em pacientes com câncer está muito mais baseado em crenças do que em evidência. O que a gente observa muito na prática são pacientes dizendo que o açúcar alimenta o tumor e então, por causa disso, eles retiram esse componente da alimentação”, informou Gabriela.
De acordo com a especialista, existe também uma cultura de que a carne vermelha faz o câncer “evoluir e enraizar”. “Na verdade, o que temos de evidência é que a carne vermelha é um fator de risco para câncer, principalmente de intestino, mas a partir do momento que o indivíduo já tem um determinado tipo de câncer, ele tem que seguir as mesmas recomendações da população saudável, de restringir a quantidade da carne vermelha, mas não eliminar, porque isso de fato não vai fazer o câncer evoluir”, enfatizou.
Outro ponto abordado pela nutricionista são informações falsas de alimentos que prometem curar o câncer, inclusive veiculadas na mídia, como cogumelo do sol, graviola, noni [fruta originária do Sudeste da Ásia], entre outros. Ela alertou que estes alimentos podem até prejudicar o tratamento do paciente.
“O noni foi um fenômeno há algum tempo atrás, soubemos que era comercializado para pacientes com câncer na feira livre que acontece aos sábados ao lado do Inca. Ele ganhou o status de ter muitos antioxidantes que poderiam curar o câncer, quando na verdade a gente sabe que já foram relatados efeitos tóxicos para o fígado com o consumo do produto, para vocês verem a gravidade”, relatou.
Adriano de Lavor, jornalista, doutor em Ciências pelo Programa de Pós-Graduação em Informação e Comunicação e Saúde (PPGICS) do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict/Fiocruz), chama a atenção para o fato de que o problema das fake news vai além do termo.
“Hoje existe um entendimento de que as fakes news são apenas a ponta do iceberg da desinformação que a gente vive. A gente traz essa questão da desinformação e faz uma crítica ao uso exacerbado do termo fake news, porque a rigor o termo em inglês significa notícias falsas, mas a notícia é o pilar do jornalismo. Se é notícia não tem que ser fake, porque aquilo que se caracteriza como notícia tem critérios de apuração, de publicação, tem a responsabilização de um profissional que assina aquela notícia. Há um tipo de desinformação que produz algo que é um simulacro de notícia, com o formato tentando passar que é uma publicação séria ", explicou o jornalista.
Já a professora do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem e Biociências (PPGENFBIO) da UNIRIO e médica psiquiatra Tânia Valente trouxe sua visão da desinformação no âmbito psiquiátrico e psicológico. “Hoje a gente chama isso de desordem informacional. E não é porque somos profissionais de saúde, porque temos uma consciência mais ou menos crítica de que não somos afetados por essa desordem’’.
A psiquiatra alertou para o modo de produção e consumo de informação atual, em que existem grupos onde todo mundo compartilha informação com todo mundo, a chamada bolha.
“As características dessa bolha são a confirmação das notícias que são compartilhadas nestas comunidades. Os critérios de verdade e o olhar para a realidade passam a ser dependentes das pessoas que manipulam as bolhas, e essas pessoas podem contribuir para insuflar a insatisfação através da ativação das emoções”, observou Tânia.
O evento foi promovido pelo Laboratório de Filosofia Política e Moral Gerardo Marotta (LabFilGM), pela Faculdade de Filosofia, pelo Mestrado Profissional em Filosofia (PROF-FILO) e pelo PPGENFBIO, todos da UNIRIO, e pelo Inca, sob a coordenação do professor Rossano Pecoraro (UNIRIO) e mediação de Robson Martins, doutorando do PPGENFBIO.
A live completa está disponível no link: https://www.youtube.com/watch?v=BeF3PloQZzs&t=665
(Cristiane Flores, bolsista Pradig, sob supervisão da equipe Comso)