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É preciso falar sobre saúde mental, alerta docente da Escola de Medicina e Cirurgia

por Comunicação publicado 28/10/2021 11h38, última modificação 29/10/2021 09h16
Em entrevista, Julio Tolentino discute sobre depressão e defende o debate público como forma de combater o estigma associado a doenças psiquiátricas

Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), 280 milhões de pessoas no mundo sofrem de depressão – o equivalente a cerca de 3,8% da população global. Além de interferir em atividades profissionais e relações pessoais do indivíduo, a doença pode culminar no suicídio, quarta maior causa de morte entre jovens de 15 a 29 anos.

O professor Julio Cesar Tolentino, da Escola de Medicina e Cirurgia (EMC), tem pesquisado sobre o transtorno ao longo de duas décadas, atuando na interface entre cardiologia, neurologia e psiquiatria. Recentemente, seu artigo DSM-5 criteria and depression severity: Implications for clinical practice (Critérios do DSM-5 e gravidade da depressão: implicações na prática clínica), publicado em 2018, atingiu a marca de 100 mil visualizações, com alto impacto de citações em periódicos internacionais.

Desenvolvido no Hospital Universitário Gaffrée e Guinle (HUGG), o trabalho provém da tese de doutorado de Tolentino, defendida no Programa de Pós-Graduação em Neurologia (PPGNEURO), sob a orientação do professor Sergio Luis Schmidt.

Em entrevista, Julio Tolentino fala sobre a identificação dos sintomas depressivos, a relação do transtorno com problemas cardíacos, o agravamento da saúde mental desencadeado pela pandemia e o estigma associado às doenças psiquiátricas.

Sua tese de doutorado se volta para os sintomas depressivos e o consequente impacto sobre a fisiologia do coração. De que maneira a depressão pode afetar o funcionamento cardíaco?

Observamos que a depressão pode aumentar o risco de arritmia cardíaca, que é um fator de risco para a ocorrência de morte súbita, mesmo em pessoas sem doença cardíaca. Um dado relevante foi o fato de que as alterações no funcionamento cardíaco ocorreram principalmente naqueles com depressão de gravidade moderada. Logo, devemos ficar atentos para os riscos cardiovasculares nos pacientes com depressão, principalmente nesses casos de depressão moderada.

Em outros estudos, a depressão tem sido descrita como fator de risco para angina, infarto e dilatação do coração, provocando um quadro de insuficiência cardíaca aguda.

Assim como na depressão, nós demonstramos que a ansiedade pode provocar dor no peito e isquemia no coração de indivíduos jovens com coronárias normais. Então, depressão e ansiedade podem afetar o coração, mesmo nas pessoas sem qualquer doença cardiovascular.

Quando sinais rotineiros de tristeza e cansaço podem indicar um problema maior, como a depressão?

Deve-se pensar em depressão quando os sintomas, como tristeza e cansaço, se tornarem mais frequentes, por um período maior que duas semanas, e interferirem negativamente nas atividades do dia a dia – relacionamentos, trabalho, família.

Devemos ficar atentos para a presença de outros sintomas, como perda de prazer (desmotivação), alterações no sono, baixa autoestima, sentimento de culpa excessiva, alterações no apetite ou peso, perda da concentração e até mesmo pensamentos de morte (risco de suicídio).

É importante salientar que o suicídio tem origem multifatorial e, em mais de 90% dos casos, havia um transtorno mental diagnosticável e tratável, sendo a depressão não tratada o transtorno mais comumente associado ao suicídio.

Em estudo prévio, nós demonstramos que é possível estimar a gravidade da depressão através dos critérios clínicos mundialmente conhecidos, e o risco de suicídio é maior naqueles com depressão grave.

O confinamento imposto pela pandemia de Covid-19 acarretou a chamada “produtividade tóxica”, caracterizada pela necessidade de engajamento em diversas atividades acadêmicas e laborais. Que impacto tem esse comportamento sobre a saúde mental da população?

A “produtividade tóxica” se caracteriza pelo excesso de preocupação e dedicação ao trabalho, tendo como consequência longas jornadas e incapacidade de se desligar das atividades laborais. Durante a pandemia, com a necessidade de trabalho remoto, isso se agravou. Todo esse contexto pode contribuir para a piora da saúde mental da população.

O problema se manifesta frequentemente por meio de sinais como: sensação de culpa por não produzir mais; percepção de se estar “sempre trabalhando”; redução das atividades de lazer em prol do trabalho; uso exagerado do computador; incapacidade de se desligar do telefone celular; ampliação da jornada laboral; cansaço intenso, impaciência e “tensão”.

Se a saúde mental for prejudicada pela “produtividade tóxica”, recomenda-se uma avalição médica, visando definir a necessidade de acompanhamento psiquiátrico e/ou psicoterapia.

Segundo dados do Conselho Federal de Farmácia, as vendas de antidepressivos e estabilizadores de humor entre janeiro e julho de 2020 aumentaram quase 14% em relação ao mesmo período do ano anterior, subindo de 56,3 milhões para 64,1 milhões de unidades. Diante do crescimento do uso desses remédios, como encontrar equilíbrio entre o tratamento psiquiátrico adequado e o uso racional de medicamentos?

Para o uso racional de medicamentos que atenda à real demanda de tratamento psiquiátrico, é fundamental que se estabeleça o diagnóstico correto. Inclusive, essa é uma das atribuições do Laboratório de Avaliação Neurocomportamental da UNIRIO.

A partir da detecção do transtorno mental, poderá ser definida a melhor estratégia terapêutica, que envolva tratamento farmacológico (uso de medicações apropriadas para cada caso), psicoterapia e/ou medidas não farmacológicas.

Em julho deste ano, a ginasta americana Simone Biles desistiu de disputar diversas provas nas Olimpíadas de Tóquio, declarando que precisava cuidar de sua saúde mental. O episódio evidencia a tendência de ampliação do debate sobre esse tema na esfera pública nos últimos anos. Teria a incidência de doenças aumentado ou as pessoas só estão falando mais abertamente sobre isso?

É fato que a incidência de doenças mentais vem aumentando. Isso é corroborado por vários estudos e pela OMS. Na realidade, os transtornos mentais já vinham aumentado antes do início do surto pela Covid-19, porém, durante a pandemia, houve agravamento da saúde mental, com aumento significativo dos sintomas ansiosos e depressivos.

Apesar da ampla divulgação atual sobre a importância da saúde mental, a doença psiquiátrica ainda está associada a muito estigma e preconceito, o que dificulta a procura por atendimento médico. Logo, é fundamental falarmos cada vez mais abertamente sobre o tema e incentivarmos as pessoas que estejam passando por problemas a procurar ajuda e, sempre que possível, avaliação médica.

Segundo especialista, depressão e ansiedade podem afetar o coração, mesmo em pessoas sem histórico de doenças cardiovasculares (Foto: Comso)

 

 

 

 

 


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