Alimentação escolar avançou no país mas desafios ainda são muitos, apontam docentes da UNIRIO
Um dos programas sociais mais antigos do país, implantado em 1955, o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) cumpre importante papel na oferta da alimentação escolar e de educação alimentar e nutricional em todas as etapas da educação básica da rede pública.
No entanto, embora ao longo dos anos o programa tenha obtido muitos avanços, ainda há desafios a serem superados. Alguns deles foram discutidos durante o II Congresso Internacional de Alimentação Escolar, realizado no fim de maio, em Brasília, e que reuniu participantes de todo o Brasil e de 12 países da América Latina e Caribe.
A professora Alessandra Pereira, diretora da Escola de Nutrição da UNIRIO, e o professor Michel Mocelin, coordenador do Centro Colaborador em Alimentação e Nutrição do Escolar (CECANE-UNIRIO), participaram do evento. Segundo eles, foi uma excelente oportunidade para trocar experiências e debater com diferentes atores envolvidos na oferta de alimentação escolar em regiões distintas.
Para Michel Mocelin, alguns pontos se destacam no que se refere aos desafios no campo da alimentação escolar. O primeiro deles é uma lacuna na oferta de educação alimentar e nutricional (EAN) nas escolas, que é um dos objetivos do PNAE. “Essa parte de EAN, pela falta de nutricionistas para atender às demandas dos municípios, fica de lado, porque a prioridade é oferecer as refeições”, observa o docente.
Alessandra Pereira ressalta que, apesar de ser uma atribuição importante do nutricionista, a EAN envolve outros atores, como os gestores escolares, professores, merendeiras e cozinheiros. Nesse sentido, foi publicada recentemente uma Nota Técnica do Fundo Nacional para o Desenvolvimento da Educação (FNDE) sobre ações de EAN nas escolas, que podem e devem ser compartilhadas com todos os que trabalham nas redes de ensino.
“Até a forma como a gente come é uma ação de educação nutricional para quem trabalha com crianças”, exemplifica a professora.
Dificuldades regionais
Outro desafio no âmbito do PNAE apontado pelos docentes da UNIRIO é a inclusão da produção agroecológica nos cardápios das escolas. A Lei 11.947/2009 determina que pelo menos 30% dos recursos repassados pelo FNDE para a merenda devem ser destinados à compra direta da agricultura familiar, mas muitos municípios não conseguem cumprir o percentual exigido.
Segundo Alessandra Pereira, as dificuldades vão desde o planejamento dos cardápios, que precisam ser condizentes com o que é produzido localmente, até a documentação exigida do agricultor e o preço dos produtos, que muitas vezes ultrapassam os preços de referência, já que têm produção e logística diferenciadas.
“A quantidade também acaba sendo uma questão. Imagina no município do Rio de Janeiro, que tem 1.600 escolas, como conseguir um agricultor familiar para dar conta disso tudo?”, reflete Alessandra. Ela reforça que o atraso nos pagamentos pelas unidades executoras também diminui o interesse dos pequenos produtores.
A oferta de refeições adequadas aos povos tradicionais é mais um desafio para a alimentação escolar. “O cardápio de escolas indígenas, quilombolas, povos tradicionais e ribeirinhos é semelhante ao que é oferecido aos demais grupos. E no Brasil há inúmeros desses povos, então é necessário conhecer, discutir e fazer um planejamento, para que o cardápio atenda de fato as adequações necessárias para essa comunidades”, destaca Michel Mocelin.
Além dessas questões específicas, Alessandra Pereira alerta para um problema mais geral: a promoção efetiva de uma alimentação adequada e saudável. “Temos uma Resolução, de 2020, que foi baseada no trabalho de Grupos Técnicos, com bastante fundamentação. Ela proíbe, por exemplo, ultraprocessados para crianças menores de três anos, e retira açúcar e achocolatado do leite. É uma resolução arrojada, mas que na prática vem encontrando dificuldades na implementação”, explica a docente.
Ações em Alimentação Escolar
Desde 2017, a UNIRIO atua como Centro Colaborador em Alimentação e Nutrição do Escolar (CECANE), no desenvolvimento de atividades de pesquisa, ensino e extensão no âmbito do PNAE, em parceria com o FNDE. A Universidade foi a primeira do Estado do Rio de Janeiro a ser habilitada para essa atuação – hoje, há 28 desses centros sediados em instituições federais de todo o país, sendo dois no Rio de Janeiro (na UNIRIO e na UFF).
A equipe do CECANE-UNIRIO, formada por professores da Escola de Nutrição e profissionais contratados, atua principalmente na assessoria técnica aos municípios do Estado do Rio de Janeiro, referente à execução do PNAE, e na realização de oficinas para levantamento da demanda da alimentação escolar e da produção da agricultura familiar local.
Recentemente, o grupo iniciou um projeto para atualização e manutenção do aplicativo nacional de controle social do PNAE (ePNAE), por onde pais, alunos, professores, nutricionistas, conselheiros de alimentação escolar e toda a comunidade podem acompanhar e avaliar a alimentação escolar oferecida nas escolas públicas de todo o país.
Alguns resultados de ações do CECANE-UNIRIO foram apresentados durante o II Congresso Internacional de Alimentação Escolar, no formato de dois resumos científicos: Elaboração de um E-book sobre preparações culinárias saudáveis no âmbito do PNAE: uma construção coletiva entre CECANE-UNIRIO e Nutricionistas do PNAE e Elaboração de material de apoio à Educação Alimentar e Nutricional junto ao ensino médio: uma experiência de construção coletiva do CECANE-UNIRIO.
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Pesquisa e ensino
Além das atividades pactuadas com o FNDE e com o CECANE, a UNIRIO tem avançado na temática da alimentação escolar. A instituição conta com o Grupo de Pesquisa em Alimentação e Nutrição do Escolar, coordenado pela professora Alessandra Pereira, e está no segundo ano de oferta de uma disciplina optativa na Escola de Nutrição.
“O PNAE desenvolve cada vez mais um papel social e de política pública de alimentação, nutrição e saúde, que vem ao encontro de um direito humano, que é a alimentação adequada e a garantia da segurança alimentar e nutricional. Especialmente se pensarmos que nosso país tem diferentes realidades e estamos num período pós-pandêmico, então a importância do Programa é muito evidenciada. Sabemos que há muitos desafios, mas os avanços foram muitos também ao longo das décadas”, reconhece Alessandra.
(Daniela Oliveira/Comso)
Professores Michel Mocelin e Alessandra Pereira, durante o II Congresso Internacional de Alimentação Escolar (Foto: Arquivo pessoal)